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terça-feira, 17 de setembro de 2024

Poemas a LISBOA

 

Meu coração de poeta

nasceu em Lisboa um dia

numa cidade secreta

que há dentro da nostalgia.

 

Foi feito de largos gestos

de pais, de tios e de primos

E d’emprestados avós

onde cresceu embalado

por pregões que ainda havia

nesse tempo ignorado

que a Liberdade mordia.

 

Meu coração de poeta

que me deu voz muito cedo

olhos e mãos e carícias

ia soletrando medo

no meu Pais de polícias

 

Mas coração de poeta

tem asas e lesto voa

pra de repente cair...

Minha cidade Lisboa

poeta do meu sentir.

 

Calçadas, pedras e ruas

Praça do Chile, Avenidas

Arroios e seu mercado...

Desdobravam-se-te vidas

no teu chão amordaçado.

 

Mas Lisboa era Lisboa

um coração a nascer

descobre que ainda voa

mesmo se lhe faz doer.

 

Voavam jornais dobrados

pelas varandas adentro

dos meus olhos que guardavam

a poeira que em bailado

estremecia na janela

entre a luz do cortinado.

 

Lisboa era muito mais

era o Jardim Constantino

onde bandos de pardais

ensinavam o menino

o ardina sem jornais.

 

Mas ia muito mais longe

Lisboa não acabava

prolongava-se no ar...

Nas corridas das varinas

chinelas a dar a dar.

 

Minha Lisboa de cegos

tocadores de concertina

de carros e de morangos

ou de ciganas que às vezes

passavam a ler a sina...

 

Minha Lisboa poeta

nos meus olhos de menina!

 

M.G. 

 

Lisboa. Heróis de Quionga...

Havia frio do Natal.

Pela mão de minha mãe

Imaginava Natais

Natais de quem não os tem.

 

Lisboa não tinha ali

no vento fresco da rua

a luz a decoração

do Rossio da Baixa toda;

Mas na imaginação

cada montra já perdida

dava o enlevo que então

só nos dá a própria vida.

 

Havia quase um calor

no frio, que sabia bem.

Porque falava de amor

mesmo àqueles que o não têm.

 

As prendas pobres pequenas

tinham a força do riso

a forma do coração...

Nada mais era preciso

Havendo risos e pão.

 

 

M.G. 

 

Que saudades avózinha

dos contos que me contavas

quando eu ainda menina

nada sabia do tempo

e soltava minhas asas

entre sonho pensamento.

Na tua voz me embalavas

os contos brandos macios

na voz em que mos contavas

era entre grave, serena.

A tua mão branca fina

poisava sobre a morena

cabeleira da menina.

 

Sentada numa cadeira

feita por teu irmão Zé

que conhecia a maneira

de transformar de moldar

com arte sabedoria

dos que domam a canseira

a fazer de noite o dia

sentada nessa cadeira

teu conto era mais verdade

havia na brincadeira

algo de seriedade.

 

No agrado de meus olhos

ao sorrirem para ti

não inventavas passado

o futuro era ali.

 

Presa nas tuas palavras

no azul que havia em ti

brincavam as tranças loiras

que ainda tens na memória...

teu conto era a vida inteira

tua vida, minha história.

 

Os anos foram passando

mas vejo o mesmo sorriso

a pairar sobre meu leito...

Meu pequeno paraíso

no teu quarto branco estreito

onde havia o mais preciso.

 

Ainda hoje estás sentada

na mesma eterna cadeira

embalo da meninice

a minha vida primeira:

A ternura do sorriso

que voltavas para mim

transportou-me a sábio mundo

onde o sonho principia

e começa o imaginário.

 

A volta do tempo ido

é que me trouxe ao que sou

entre o riso ou o gemido

o meu olhar não mudou.

 

Vejo tua mão na minha

acariciares-me a testa.

 

Ó minha querida velhinha

ser menina era uma festa.

Agora mulher e mãe

a tua lembrança doce

o teu vulto ao pé de mim

constróem meu dia de hoje...

A fazer-me ser assim!

 

M.G. 

 

Acima do país e da infância

de tudo quanto fui e que passou

ultrapassar do eco que é distancia

cidade a navegar no mar que sou

desenham-se fragatas no olhar

de quem partindo nunca regressou;

Lisboa a saber a mar

na sede que me ficou.

 

Atravesso tuas margens

meu rio minha juventude

cacilheiros e viagens

desses tempos em que pude

gravar na alma as imagens

No desferir de alaúde

fui levada na aragem

de vigor e de saúde.

 

Meu rio e minha cidade

o Tejo a espelhar canoa

espreita do alto o castelo…


Eu morro, ao dizer Lisboa.


Marilia Gonçalves



       POEMA TEJO

 

Estendida ao vento

a cidade tem nos olhos

a brancura em que se agita.

Aceite no espaço azul

tem voz de rio marinheiro.

 

Ancorada ao oceano

Lisboa tem voz de ABRIL

a olhar para o Barreiro.


 Marília Gonçalves




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