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sexta-feira, 13 de setembro de 2024

A UM TROVADOR Carlos Domingos

 





A UM TROVADOR



Ao José Afonso, no dia em que, estando eu atrás das grades, o vi entrar, sob prisão em, Caxias)





Apagou-se uma estrela e logo

uma canção perfurou o silêncio.

Assim, semeemos a noite de canções

para que as estrelas não durmam.


E é por isso que eu te exorto,

trovador de árias amargas,

a arrancar da viola os acordes

da tua inquietação.

Tudo o que bulir dentro de ti,

amor, revolta, espanto, saudade,

dores, esperanças, raivas e certezas,

são essas as munições

que armam a canção.


Empunha a tua voz

e investe contra o ódio

que se tornou muralha.


Canta!

Nos postigos da fome ou nos portais do frio,

nas esquinas dos ventos traiçoeiros

ou nos cais onde plangem as distâncias

há sempre uma canção

que, dentro de ti, espera.

Nas vozes caladas pelos silvos das fábricas

ou entre os medos que uivam nos pinhais

há canções, à espreita, para ti.


Canta!

Desprende a tua voz pelos espaços.

Se te mandam calar, tu não te cales!

Se a guitarra te quebram

os ecos saberão

acompanhar o teu canto.




Canta, trovador!


Mesmo se te algemarem,

a canção voará

em estilhas de revolta e sóis de esperança.


Canta!



Se te esmagam a voz,

os teus olhos continuarão

a disparar canções

para além da mordaça.


Canta!


Se quiserem matar-te,

nem mesmo assim te cales

– milhões de vozes cantam já contigo.


Canta, mesmo que te matem!









(Prisão de Caxias, Maio de 1973)


Carlos Domingos



Carlos Domingos                   

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