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quarta-feira, 31 de julho de 2024

Tratados de poesia

 

                    Á Nádia, minha filha que aborrece críticos de poesia

 

Tratados de poesia

Que ensinais a harmonia

E a toada do verso

Que tudo sabeis da rima

Das medidas das cesuras

Das rimas pobres

Das duras

Das baladas dos tercetos

Das odes e dos sonetos

Sem esquecer a terza rima

Nem tudo quanto se empina

Nesses velhos alfarrábios

Que são em saber a mina

Que traduz todos os sábios.

 

Tratados de poesia

Que tudo sabeis do verso

Voltas e fim e começo

E citais alexandrinos

E sáficos e tripartidos

heróicos versos gemidos

e todo o verso composto

tudo tão a vosso gosto

nos vossos velhos livreiros

com vago perfume a mofo

de que andais decerto cheios.

 

Mas da essência do verso

Que seja livre ou possesso

Seja branco ou tripartido

Do verso, que sabeis vós

Que sabeis da funda voz

Que faz um verso parido?

 

Que sabeis dessa alvorada

Que levanta estremunhada

Da alcova moribunda

A escorrer lágrima e sóis

A gargalhar rouxinóis

Para cair gemebunda?

 

Que sabeis desse licor

Feito de ódio e amor

De desespero e d’esperança

Que sabeis desse cantor

Que ora parece um senhor

Só porque é uma criança.

 

Que sabeis dessas mãos d’água

Que vertem versos e mágoa

Sempre nesse despudor

Que o verso na alma grava

A fome a sangue e a lava

Como se fizesse amor.

 

Furai os olhos à treva

Uma vez pra que se escreva

Do verso o essencial

Sedes feridas e ternura

Fontes musas ou loucura

Mas tudo em voz natural.

 

Dizei alto firmemente

Que verso é o grito urgente

A gargalhada de dor

Que traz na alma a semente

Dum outro verso maior.

 

Dizei, se pode ser dito

Qual a dimensão do grito

Feito de seiva e luar

Dizei do verso, repito

Que ele espelha o infinito

Que é pura voz a cantar.

 

 Marilia Gonçalves

 

 


 

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