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sábado, 16 de dezembro de 2023

Aos que calando consentiram E que Hoje consentem de novo pelo Silêncio



(Aos que calando consentiram)
E que Hoje consentem de novo pelo Silêncio
 
Dizer medo
é muito pouco
quando segredo
murmura
num tom rouco.
Dizer medo
é quase nada
quando o mutismo
emprenhou
o ventre da madrugada.
Dizer medo
é o início
muda justificação
da verdade narrativa
de quem traiu o seu chão.
Dizer medo
cobardia!
A tentar suavizar
a medida do mutismo
no tempo a não querer passar.
Cobardia! Cobardia!
Ante o olhar inocente
olhar que morto caía
por querer inventar o tempo
no olhar que dividia
pelo pão de tanta gente!
Homem que em frente seguia
mesmo se isoladamente.
Medo é pouco
mesmo nada
quando a hora é de unidade!
Mas se deixa a solidão
tragar a força a vontade.
Medo é pouco
não convence
nem os mortos nem os vivos!
Só silêncio cobardia
deixaram fazer cativos
quem quis repartir o dia
com os próprios inactivos.
Cativos num país louco
a disfarçar em bondade
os hipócritas passivos
ao ver morta a Liberdade.
Cobardia disfarçada
em meio século de história
num país de mortos vivos
afugentando a memória
dos direitos colectivos.
As prisões foram sofrendo
o grito dos lutadores
assassinatos enchendo
Portugal, de luto, dores.
Mas cada grito abafado
nas paredes da prisão
era um apito estridente
sobre a nossa negação.
Por isso há mortos mais vivos
que muitos muitos de vós
da história sereis cativos.
Dos mortos será a voz.
Porque desde o primeiro dia
em que o fascismo venceu
por dentro dele crescia
o mês de Abril que o venceu.
 
 
Marilia Gonçalves
 



 

Vidas Prisionáveis - Edmundo Pedro - Testemunho Completo

Vidas Prisionáveis - Edmundo Pedro - Testemunho Completo

                                                                           AQUI

esgrimir dor e saudade -Poema de Marilia Gonçalves

 

14-02-2002 4:31:47


Tanta força tanto grito
tanto tempo, tanto esmero
tanto cúmulo d’ansiedade
tanta sede, tanto medo
à procura da verdade
ermo do nosso degredo.

Ser humano, voz faminta
de sua própria vontade
a fazer do sangue tinta
a esgrimir dor e saudade

o tempo vai, passa, leva
o confiante sorriso
era apenas o instante
d’exemplar paraíso
nós atónitos paramos
olhos postos na montanha
onde pascem os rebanhos
saídos de nossa entranha
onde sonhos refreados
elevam último adejo
pra virem cair nos prados
das sentinelas de um beijo.


Marilia Gonçalves




A asa que volita mais além -Poema de Marília Gonçalves

 

          Desfecho


O sol despiu o arvoredo

Ha rendas de luar sobre a vidraça

O ar a estremecer como segredo

Suavemente passa.

 A asa que volita mais além

É talvez a infância que sorria...

A procurar alguém

Vai afundar o voo pelo dia.


A voz distante é branda mas profunda

Eleva-se em som imaterial

Murmúrio que se afunda

Nos tons do olival

Há ecos de tule pelos montes

Pétalas voam, são mariposas

No coração da pedra ecoam fontes

Fluindo em lava pelo chão das rosas.


Marília Gonçalves







Vidas Prisionáveis - Alfredo Matos e José Pedro Soares - Testemunho Completo A todos os que passaram pelas mãos da CRIMINOSA PIDE COM TODO O MEU RESPEITO E O MEU AMOR FRATERNO Marilia Gonçalves

 

A todos os que passaram pelas mãos da CRIMINOSA PIDE
COM TODO O MEU RESPEITO E O MEU AMOR FRATERNO
 
ACUSO

Cavalo de vento
Meu dia perdido
O meu pensamento
Anda a soluçar
Por dentro do tempo
De cada gemido
Com olhos esquecidos
Do riso a cantar

Quem foi que levou
A ânfora antiga
Onde minha sede
Fui desalterar
Sementeira de astros
Que o olhar abriga
Por fora dos versos
Que hei-de procurar

Quem foi que em murmúrio
Na fonte gelava
Essa folha branca
Aonde pensar
Quem foi que a perdeu
Levando o futuro
Por onde o meu barco
não quer navegar

Quem foi que manchou
a página clara
Com água das sedes
Que eu hei-de contar
Quando o sol doirava
As velhas paredes
Da mansão perdida
De risos sem par

Quem foi que levou
Os astros azuis
Do meu tempo lindo
Meu tempo a vogar
Por mares de estrelas
Vermelhas abrindo
Quando minhas mãos
Querem soluçar

Não mais sei quem foi
só sei que foi quando
a noite vestiu o dia que era
E todos os sonhos
Partiram em bando
Fugindo de mim e da primavera

Mas há na memória
Da minha retina
A voz que se nega
A silenciar
Com dedo infantil
Erguendo a menina
Diante do réu
Em tempo e lugar!!!

Marilia Gonçalves