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terça-feira, 19 de dezembro de 2023

O Relógio da Torre

 

    Je suis humble artisan d’une tâche inféconde
    mais devant les dangers qui menacent le monde
    je rougirais
    d’être de ceux qui n’ont rien dit.
    Eugène Bizot


    1° Prémio de Poesia
    (Dr Ilda Regalado)


    O Relógio da Torre

    Para quê saber o fundo da angústia
    este uivo vendaval que cedo surpreende
    para quê conhecer a hora da argúcia
    quando voam gaivotas sobre corpo de sede.

    Remoinhos nos olhos levantam pensamentos
    onde folhas de Outono poisaram tristemente
    o cofre das lembranças e o de sentimentos
    deixam voar saudades a desfazer-se sempre.

    Só uma badalada no pêndulo da torre
    por uma hora magra, breve que nos resta
    enquanto sobre nós cada dia que morre
    na espessura da noite vai cobrir a floresta.

    O cantar de sereia vem do tempo de Ulisses
    ou navio que se afasta na estridência do cais
    a navegar a bruma duma ilha de Circe
    no rouco som que parte para não voltar mais.

    O perfume de Agosto sobe do fim do tempo
    com risos a cantar e manhãs a nascer
    mas são vozes do cofre, que estão em movimento
    ou retratos antigos a chegar pra nos ver.

    Tudo quanto nos cerca tem o tom conhecido
    da constante paisagem do que somos na vida
    como oferenda eterna do eco pressentido
    no timbre cor de mel que nos serena ainda.

    Minutos de surpresa e continua a espera
    vertigem de viagem no encontro dos dias
    mesmo se o mês de Outubro nos cheira a Primavera
    vão pairando no ar as velhas sinfonias.

    A mão que nos segura, vacilando fraqueja
    o tempo tem limite, tem portas e fronteiras
    o instante sereno que nosso alento beija
    vai desfolhar a flor de nossas sementeiras.

    Somos ainda sol amarelo de Verão
    uma praia aquecida no acaso da tarde
    uma palavra solta na voz duma canção
    uma fímbria de luz na breve imensidade.

    Uma certeza só, perdida, inviolável
    que nada trairá nem poderá vencer
    o encontro perene de olhar inevitável
    vestido de distância, mas que nos faz doer.

    O solitário apito, um chamamento apenas
    acena-nos de leve a esperada viagem
    e nossas pobres forças, humanas, tão pequenas
    vão subir o degrau da última coragem.

    Marilia Gonçalves

    PATRIMOINE – Tour de l'Horloge (Aubusson) | Tourisme Creuse Limousin



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