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sábado, 23 de dezembro de 2023

O DESPERTAR DO 25 ABRIL DE 1974

 

                                  


Naquela manhã idêntica a tantas outras, meu irmão saía de casa

 para ir para o Liceu. Despediu-se do pai que nesse momento 

começara a barbear-se. Deve como de costume ter-se despedido

 da avó e da mãe e começou a descer as escadas do 3° andar que 

o separavam da rua. Precisamente no momento em que agarrou 

 

a maçaneta da porta da rua, parou surpreendido e assustado. 

Um grito indescritível ecoava pelas escadas, batia contra as paredes 

com tal força que de imediato percebeu tratar-se de grito do pai!

Subiu as escadas de quatro em quatro, a uma velocidade a que

 o medo obrigava (nosso pai era muito doente e por vezes havia 

cenas semelhantes em casa que não anunciavam nada de bom 

e que acabavam muitas vezes na ida de nosso pai para o hospital).

A porta de casa abriu-se ao seu chamamento. 

Qual não é o espanto quando depara com um pai

 que exultava de alegria explosiva e comunicativa!

Ora o que se tinha passado era o seguinte: enquanto 

fazia a barba, meu pai de transístor aceso ouviu 

a transmissão da notícia de que em Portugal 

estava a dar-se um golpe de estado. Para quem 

sempre acreditara na possibilidade da queda 

do regime salazar/caetano, nunca lhe passou pela cabeça 

que o golpe viesse ainda de forças mais reacionárias, 

Para ele era límpido! O Golpe era de esquerda e era para 

libertar Portugal e seu povo. Para quem na altura 

se encontrava exilado desde 1962, era o concretizar

 do sonho, da espera de cada dia

E foi uma ronda de alegria infinda que encheu a casa

A mãe, eufórica até mais não, precipitou-se para o quiosque 

mais próximo onde foi comprando todos os jornais

 que surgiam; procurando notícias mais aprofundadas.

Eu em Faro, infelizmente, como meus pais não tinham telefone

 (nem todos os exilados políticos tiveram exílios dourados,

 como foi o caso de uns quantos) não podia comunicar

 com eles e partilhar assim o que apesar de pouco íamos

 obtendo de notícias vindas de Lisboa!

A minha avó materna, que já vira muito e muitas vezes 

se decepcionara com anúncios logrados da queda do regime, 

mantinha-se num estado de fleuma, aguardando confirmação 

e concretização do acontecido

Mas foram dias de exuberância e excitação, de preparativos 

para a vinda de meu pai a Portugal, que as dificuldades agravadas

 pela sua doença complicavam e assim so a 4 de Maio 

o recebemos em Lisboa onde chegou de camioneta. Família e amigos

 ostentavam cravos vermelhos e eu tinha uma espécie de xaile vermelho

 pelas cosAssim que as aulas acabaram chegou a família toda e foi

 o Verão de 1974 o reencontrar tas que cruzava sobre o coração

de uma vida repartida por todos e partilhada por amigos e povo 

que começava a colher as primeiras conquistas de Abril, 

que dia após dia se concretizavam!

Num país em que os Militares eram o nosso orgulho

 e que passavam a fazer parte da grande família portuguesa

Por toda essa inesquecível alegria, pela fraternidade, 

pelo nosso olhar límpido e seguro e por quanto de bom 

e humano Abril nos trouxe 

VIVA O 25 DE ABRIL DE 1974 PARA TODO O SEMPRE

e VIVA A VIDA que o 25 de Abril com



pensou de quanta agrura possamos ter vivido anteriormente.

 


 


Marília Gonçalves


(nota- enquanto escrevi este breve texto, todos os que partiram e que choro, meu pai, 

minha avó minha tia (a viúva de Alex), 

Alfredo Dinis, o meu avô preso 24 vezes 

que resistiu ao Tarrafal e tantos outros, estiveram aqui, 

presentes e vivos, tão vivos como o estavam no

 

 25 de Abril de 1974, uma profunda alegria 

me acompanhou durante estes momentos de escrita!)

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