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terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Avenida

 

        Avenida

Vim hoje aqui a Lisboa
a julgar matar saudades
a vida não se fez boa
a quem fugiu prá cidade.

as saudades não se matam
porque logo nascem mais
mas as vozes nos desatam
e fazem de nós pardais.

Estou na Baixa...e os meus olhos
não vêem prédios nem chão
só vêem dores, mares d’escolhos
a esbarrar na multidão...

lá anda gente a correr
pela vida aos tropeções
lá estão outros a vender
miséria em sonho, aos milhões

e o pobre pé descalçado
não incomoda ninguém
tão visto já, resfriado...
e nascido de uma mãe!

Não me quero ir já embora
tenho ainda muito que ver
mesmo que me doa agora
eu não me quero esquecer.

que se nascemos com olhos
é para ver as montanhas
de injustiças e de escolhos
que ao homem rasga as entranhas!

Lá vai o miúdo roto
leva as mãos nas algibeiras
com ar gaiato e maroto
dizendo duas asneiras...

mas dentro, lá bem no fundo
andam versos a nascer
e é por ser filho do mundo
que anda por aí a sofrer...

essas palavras que larga
a desafiar a populaça
são feitas da dor amarga
que mesmo pequeno passa.

E agora aqui ao lado
está um ceguinho a tocar
a pensar também ser fado
andar com fome a cantar.

Agora aí vou eu
aqui está Martim Moniz
quanta gente a quem mordeu
outra, rica, má, feliz.

E os meus passos no dia
feito da noite brutal
vão comendo poesia
no homem que vive mal.

Enquanto sigo dorida
a olhar o «temporal»
vou subindo a Avenida
mas firme, no «vendaval.»

Já cheguei ao Intendente...
Por entre a gente séria
quanta infeliz que mal sente
que não tem mais que miséria!

Ai ó senhoras honradas
que me apetece insultar...
as vidas despedaçadas
nascem do vosso luxar.

às que passam sem sentir
por quem chora como nós
e se olharem a sorrir
as mais perdidas sois vós!!!

Porque quem vive diferente
se a porta não viu fechada
prá vida passar decente
não lhe custou mesmo nada!

...São filhas da noite escura
dum estado podre de velho
e esta ferida que ainda dura
é o seu mais fiel espelho!

Mais uns passos, finalmente
eis chego à praça do Chile.
Ó povo depressa ó gente
façamos mais um ABRIL!!!

Marilia Gonçalves
 
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Mariana Refachinho
Que sentido e encantador...parabéns!

Orlando Adrião
Belíssimo poema da tua visita à cidade de Lisboa, é um bom guia turístico. Beijinhos amiga 

 

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