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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011


VENTOS DA LIBERDADE QUE SOPRAM SOBRE A TUNISIA
Às vezes a dialéctica dá-nos as voltas aos miolos e nunca se compreende como é que o que é compreensível foge à razão. Com a dialéctica, as palavras mudam o sentido às coisas e até podem transformar bandidos em homens imaculados... O governo que durante tantas décadas oprimia o Povo Tunisino não poderia gozar desta longevidade sem o apoio das outras nações e o recurso à dialéctica. Aliás, Ben Ali passeava-se pela internacional socialista o que lhe dava uma carta de visita apresentável no exterior e uma maior facilidade aos que dominam a dialéctica de guardar bons e amigáveis contactos.
Tenho amigos tunisinos, alguns do tempo da oposição a Bourguiba, outros do tempo da oposição ao seu sucessor, que conheci na “Maison des Travailleurs Immigrés” (Casa dos trabalhadores Imigrantes) com quem participei em acções de defesa dos direitos dos imigrantes em França e, nestas acções conjuntas, sempre encontrávamos momentos para falar também das políticas internas dos países de origem.
A política do governo da Tunísia perecia aos olhos dos observadores estrangeiros mais “liberal” que as políticas dos outros países árabes. Esta apreciação apoiava-se nomeadamente no esforço dos orçamentos a favor das políticas de educação que Bourguiba desenvolveu logo a seguir à independência, e na procura de um maior respeito e igualdade da mulher. Estes dois aspectos de uma política de Estado são sempre, ou quase sempre, a garantia de avanços irreversíveis em direcção das democracias dos países que os praticam e por isso o governo da Tunísia era menos suspeito. Mas a censura, a par com a repressão, eram as caras da mesma moeda que os tunisinos combatiam e ninguém sabia muito bem como, nem quando, as coisas tomariam outro rumo.
Mas às vezes há situações que se precipitam de forma tão inesperada que todos ficam boquiabertos e aqui, depois daquele desespero que levou o jovem vendedor ambulante à morte por imolação, tudo se acelerou muito rapidamente e transformou aquele acto de desespero em grito de esperança.
Estes acontecimentos vieram surpreender quase todos os países. Aqui em França, dias antes da família presidencial dar o salto, a nossa ministra dos negócios estrangeiros, Michèle Aliot Marie, MAM, como aqui lhe chamam, reflectia em voz alta na hipótese de fazer o favor a Ben Ali de lhe enviar forças policiais francesas, com a sua reconhecida experiencia na contenção das manifestações de rua, para ajudar a polícia tunisina a “manter a ordem”...
Afinal as coisas tomaram um rumo tão desfavorável à política estabelecida por Ben Ali que agora MAM, recorrendo também à dialéctica, diz que os seus propósitos não foram bem compreendidos.
A verdade é que a França, como a América, como todos os países democráticos, têm serviços diplomáticos com uma excelente capacidade em fazerem relatórios aos seus governos de forma a estes não ignorarem as práticas de governos déspotas. No respeitante à América sabemos através de Wikileaks que a embaixada americana enviara em Junho de 2008 um telegrama classificado secreto onde qualificava a família do Presidente, e a família alargada da sua mulher, de corruptos “mafiosos”. É verdade que o Presidente da América não manteve um silêncio tão pesado como a França durante as manifestações que levaram a família presidencial a abandonar o poder. Diz-se mesmo, em círculos mais bem informados, que Hillary Clinton teria telefonado ao Chefe de Estado-maior da Tunísia para este não disparar contra o povo e que seria esta desobediência que levou Ben Ali a dar à sola. Pudera! Antes de as coisas darem mais para o torto salve-se o que poder ser salvo. E se o mobiliário e imobiliário da Tunísia não poder sair do País, haverá imobiliário e contas bancárias noutros horizontes.
Aqui em França parece que não teriam mais do que cinco mil milhões de euros. Uma miséria!
A esposa, antes de a família tomar o avião, ainda foi ao banco levantar o ouro que ali tinha em depósito. Uma tonelada e quinhentos quilos. Uma miséria!
Não sabemos qual é a situação Bancária em Portugal ou Espanha nem o património que aqui possam ter mas deve ser uma miséria também!
O que pode parecer estranho nisto tudo é que estes tiranos possam exercer o seu poder com o apoio internacional, e que possam esbanjar o país com a cumplicidade de governos e outros políticos “amigos” que lhes expressam palavras de elogio ou silêncios comprometedores... porque é óbvio que a prevaricação que servia de regra e a dimensão do enriquecimento pessoal não podiam passar despercebidas e que isto acontecia perante os olhos de quem não queria ver. E é quase sempre só quando os tiranos se esborracham que os ventos sopram diferentemente...
Paralelamente a este “terramoto político” na Tunísia, chega-nos a informação de que outro Presidente que tinha abandonado o seu país em condições muito semelhantes, há 25 anos, o Baby Doc, acaba de regressar a Haiti. Teria já gasto onde vivia desde então, aqui no sul da França, todo o dinheiro que ele e o seu pai antecessor desviaram de Haiti matando à fome e à pancada a população quando esta tentava resistir? ou quereria dar um sinal de esperança a Ben Ali e sua excelsa esposa que o exílio dourado não é assim tão ingrato e até se pode esperar um regresso possível...

José Barros
Paris, Janeiro de 2011


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