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terça-feira, 27 de abril de 2010

Avózinha

tonalidades

Que saudades avózinha

dos contos que me contavas

quando eu ainda menina

nada sabia do tempo

e soltava minhas asas

entre sonho, pensamento.

Na tua voz me embalavas

os contos brandos macios

na voz em que mos contavas

era entre grave, serena.

A tua mão branca fina

poisava sobre a morena

cabeleira da menina.

Sentada numa cadeira

feita por teu irmão Zé

que conhecia a maneira

de transformar de moldar

com arte, sabedoria,

dos que domam a canseira

a fazer de noite o dia

sentada nessa cadeira

teu conto era mais verdade

havia na brincadeira

algo de seriedade.

No agrado de meus olhos

ao sorrirem para ti

não inventavas passado

o futuro era ali.

Presa nas tuas palavras

no azul que havia em ti

brincavam as tranças loiras

que ainda tens na memória...

teu conto era a vida inteira

tua vida, minha história.

Os anos foram passando

mas vejo o mesmo sorriso

a pairar sobre meu leito...

Meu pequeno paraíso

no teu quarto branco estreito

onde havia o mais preciso.

Ainda hoje estás sentada

na mesma eterna cadeira

embalo da meninice

a minha vida primeira:

A ternura do sorriso

que voltavas para mim

transportou-me a sábio mundo

onde o sonho principia

e começa o imaginário.

A volta do tempo ido

é que me trouxe ao que sou

entre o riso ou o gemido

o meu olhar não mudou.

Vejo tua mão na minha

acariciares-me a testa.

Avózinha


Ó minha querida velhinha

ser menina era uma festa.

Agora mulher e mãe

a tua lembrança doce

o teu vulto ao pé de mim

trazem meu dia de hoje...

A fazer-me ser assim!


Marília Gonçalves


à minha Avó materna

Lisboa, na casa antiga

ali à Ponta Delgada

havia uma rapariga

a mais velha da filharada

que tinha compridas tranças

atadas com verdes sonhos

os irmãos (eram crianças)

descuidados e risonhos.

O pai era marinheiro

sempre que ia para o mar

não falava da partida;

mas queria sempre ao chegar

a família reunida

sobre o cais a acenar.

Na casita tão antiga

onde havia a rapariga

com sonhos por naufragar

a mãe era boa amiga,

partiu para não voltar...

Também quis ser marinheira

da nau onde parte a vida

que se vai de tal maneira

que a nau só tem despedida.

Nunca mais volta do mar...

Não se lhe pode acenar.


Marília Gonçalves



À Querida memória de minha Avó

No teu quarto minha avó

havia um mundo secreto:

perfume de pão-de-ló,

rendas de bilros no tecto,

na mesa de cabeceira

o candeeiro redondo

duma luz opalescente...

nunca soube se essa luz

era luar que descia

de teu olhar sorridente.

Tinhas os olhos azuis...

isso de estrelas de luas

perdia-se facilmente

na escuridão que há nas ruas

para vir suavemente

habitar ao pé de ti...

e eu, sorria contente

do sonho que aí vivi.

Ah, o mundo da infância

nos cuidados da avó

deslizava brandamente.

Também no teu quarto havia

armários e gavetas

e a caixa de costura

cantos de prata esculpida

que teu irmão carpinteiro

inventara para ti.

Na magia do teu quarto

acordavam meus sentidos

havia um cheiro encerado

nos móveis adormecidos.

O meu sentir esfuziante

bem desperto e acordado

descobria tua essência

no gesto de cada instante:

havia uma transparência

uma mágica ternura

trazendo à nossa presença

o que parecia lonjura.

Tudo era compreensão

no espaço do meu sonhar...

sobre minha, tua mão

era canção d’embalar.

Desapareciam os medos

iluminava-se a sombra.

Adormecia em teus dedos

minh’alma branca de pomba.

Marília Gonçalves


A dor não é colorida

não tem peso não tem voz

por isso não há medida

pró que trazemos em nós



Marília

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