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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

SOS SOS SOS SOS SOS SOS SOS SOS SOS

FIM IMEDIATO à GUERRA

ali, na Palestina,









Urgente


RECITAL




Subo a este palanque

para dizer um poema

de amor e de ternura

dedicado àqueles homens

que nas estrelas contemplam

o reflexo da eternidade.

Porém, de repente, enrola-se-me a voz,

recusa-se-me o gesto,

e desvanece-se a mímica

com um furor a navegar-me as veias.

É que, dentro de mim,

há mãos e dedos a apontar

ali, na Palestina,

alcateias de tanques

semeando crianças mortas

pelas ruas de Gaza.

Como posso eu dizer este poema

tão tranquilo

se dentro de mim, no fundo dos meus olhos,

me atormenta aquela criança fria

com um grito de sangue a escorrer da boca?

Aquela criança

e outra e outra e outra

são esperanças em botão esfaceladas

com estilhaços de bombas

cravados no cérebro.

Aquela criança

ali,

de olhar de vidro frio e penetrante,

não consente que eu diga,

aqui,

este poema tranquilo.

E ainda o grito daquela mãe

enche-me os ouvidos

para que a minha boca também grite.

E é já o grito de todas as mães

a estremecer a terra,

a abanar, a abanar,

para que o ódio se desprenda e afunde.

Como é que eu poderei dizer, aqui, este poema,

se um gargalhar de assassinos,

rugindo como gorilas dementes,

ameaça fechar o Sol

aos olhos inocentes deste povo?

Como pintar de amor a raiva que eu próprio sou?

Como adoçar a voz e não gritar,

não ferver, não saltar, não correr,

não transformar os versos em granadas,

fuzis, espadas, mísseis, fortalezas,

para impedir que voltem a matar

esta criança que me está nos olhos

vincando o meu remorso de ser gente?

É certo que eu subi a este palanque

para dizer um poema tranquilo.

Mas, afinal,

vão desculpar-me porque eu

não vou dizer poema nenhum!




(Janeiro de 2009)

Carlos Domingos