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quarta-feira, 8 de julho de 2009



Ary dos Santos



Poeta Castrado, Não!

Serei tudo o que disserem

por inveja ou negação:

cabeçudo dromedário

fogueira de exibição

teorema corolário

poema de mão em mão

lãzudo publicitário

malabarista cabrão.

Serei tudo o que disserem:

Poeta castrado não!

Os que entendem como eu

as linhas com que me escrevo

reconhecem o que é meu

em tudo quanto lhes devo:

ternura como já disse

sempre que faço um poema;

saudade que se partisse

me alagaria de pena;

e também uma alegria

uma coragem serena

em renegada poesia

quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu

a força que tem um verso

reconhecem o que é seu

quando lhes mostro o reverso:

De fome já não se fala

- é tão vulgar que nos cansa -

mas que dizer de uma bala

num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história

- a morte é branda e letal -

mas que dizer da memória

de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser

o poema dia a dia?

- um bisturi a crescer

nas coxas de uma judia;

um filho que vai nascer

parido por asfixia?!

- Ah não me venham dizer

que é fonética a poesia !

Serei tudo o que disserem

por temor ou negação:

Demagogo mau profeta

falso médico ladrão

prostituta proxeneta

espoleta televisão.

Serei tudo o que disserem:

Poeta castrado, não!


«O Futuro»
de José Carlos Ary dos Santos

Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente

Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente

Depois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.

O que é preciso é termos confiança
se fizermos de maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai

Ary

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LCilia



Tributo a Luís Cília





Luís Cília denunciava a guerra colonial em Paris nos anos 60 nomeadamente na Associação dos Originários de Portugal onde se juntavam desertores, exilados, cantores, poetas ( estou ainda a vê-lo ali na primeira fila de farta cabeleira branca, o Vicente Campinas de olhar em fogo que nos dizia: Adiante!),artistas que partilhando as mesmas ideias e a mesma vontade de Justiça que viriam a permitir um regresso à Pátria Libertada. Aí através de canções, poemas, palavras, se alimentava a Esperança
Antecipando Abril esse dia 25 de Abril, nascido de jovens Capitães
que restituíram a Portugal o olhar digno e Universal a que tinha direito

Marília Gonçalves
Luis Cília - um percurso...

Tributo a Luis Cília

Luís Cília foi o primeiro cantor de intervenção que no exílio denunciou a guerra colonial e a falta de liberdade em Portugal. Gravando ininterruptamente a partir de 1964, realizou uma actividade musical, tanto discográfica como no que concerne à realização de recitais, tendo-se profissionalizado em 1967. Mas para além disso, Luís Cília, durante vários anos dedica-se ao estudo de harmonia e composição, o que é algo invulgar no universo dos cantores de intervenção. Esta formação musical fez de Luís Cília um dos mais respeitados compositores da actualidade, procurado pelas mais importantes instituições, nomeadamente desde que, nos anos 80, optou pela composição pura, o que aconteceu também, devido às muitas solicitações.

Eduardo Raposo, in Canto de Intervenção 1960-1974, Lisboa,2000, p. 74




A Bola

Rola
Sangrenta
Uma bola
No chão
De Angola.
O dia
Vai alto,
Brilha
O sol
Na poeira
Incendiada.
Soldados
Jogam
Futebol
Com a bola
Que pula
Sangrando
No chão
De Angola.
Ninguém
Distingue
Na bola
Ensopada
Na areia
Empastada
Na erva
Que gira
No solo
A cabeça
De um negro
Sangrando
Que rola
No chão
De Angola




Portugal-Angola

Portugal-Angola - Chants de Lutte
1a – Meu país



Meu país meu pais
Do céu límpido calmo
De campos cultivados
De praias e montanhas.


É para ti meu canto
A minha esperança.


Ouço a tua voz triste
Oh, meu país sem culpa
Ouço-a nos dias mornos
No amanhecer cinzento.


E é para ti meu canto
A minha esperança.


Meu país onde a traição domina
E o medo assoma nas encruzilhadas
Meu país de prisões e covardias
E de ladrões de estradas.


Meu país de operários
Cavadores, marinheiros
Meu país de mãos grossas
Plebeu, sensual, resistente.


É para ti meu canto
A minha esperança.



Para ti meu país
Levanto a minha voz sobre o silêncio
Desta noite de angústias
E de medos.


Nada pode calar
O nosso riso aberto
Ei-lo que invade
A terra portuguesa
E vozes juvenis formam o coro.


Por isso é para ti meu canto
A minha esperança.


Já ouço passos,
Vêem na distância
Desfraldando bandeiras e cantando




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